Interpretação conforme a Constituição e seus limites: caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão n° 26
Abstract
No Brasil, o julgamento coletivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão n° 26 e do Mandado de Injunção n° 4.733 trouxe inflada discussão
acadêmica acerca dos efeitos jurídicos da decisão que criminalizou as condutas
homotransfóbicas como crimes nos moldes dos diversos tipos penais elencados na
Lei n° 7.716/1989. A discussão centra-se na possibilidade de o Supremo Tribunal
Federal ter ultrapassado os limites de seu papel como legislador negativo ao decidir
por criar dois novos tipos penais com fundamento em dar a Lei de Racismo
interpretação conforme a Constituição. A interpretação conforme a Constituição,
para a doutrina constitucional tradicional, trata-se de um princípio de interpretação
da lei ordinária de acordo com a Constituição, sendo somente legítimo quando
houver espaço de decisão aberto mediante uma pluralidade de propostas
interpretativas possíveis. Noutra monta, sob a perspectiva jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal, o princípio em tela ganha outros contornos: é tratado
como modalidade decisória de rechaço a qualquer interpretação em
desconformidade com a atividade hermenêutica despendida pelo órgão com
competência de jurisdição constitucional, equiparável a uma declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto. Contudo, tanto para a doutrina como
para a Suprema Corte, o limite da interpretação conforme a Constituição reside em
preservar a vontade do legislador criador da lei ordinária, não a substituindo pela
vontade do julgador, ou seja, não fazendo-se qualquer acréscimo de conteúdo
normativo material pelo Poder Judiciário. Caso ultrapasse tais limites designados,
tais decisões seriam consideradas como sentenças manipulativas de efeitos
aditivos, estas advindas da doutrina italiana e que podem ser definidas como
sentenças que modificam ou aditam normas submetidas à apreciação de órgão com
competência jurisdicional para que, após passar sob o crivo do juízo de
constitucionalidade, despontem em conformidade com a constituição. No julgamento
coletivo, o STF, ao utilizar da interpretação conforme a Constituição para sanar a
omissão legislativa da Lei n° 7.716/89, cumpriu com o papel de legislador negativo,
bem como o de Guardião da Constituição e precursor da defesa das liberdades
fundamentais ameaçadas da comunidade LGBTQIA+, já que, precipuamente, não
há um acréscimo material à lei nem substituição da vontade do legislador pela do
Poder Judiciário tendo em vista os mandados de incriminação dispostos nos incisos
XLI e XLII do art. 5° da Constituição.